Em bate-papo com a Contigo! Novelas, Mariana Xavier falou sobre sua personagem e os estereótipos do humor
Daniel Palomares Publicado em 12/12/2023, às 12h50
Mariana Xavier celebra sua primeira protagonista em Tem Que Suar, do Multishow, e usa sua voz como instrumento de transformação e representatividade. Em bate-papo com a Contigo! Novelas, a atriz falou sobre sua personagem e desabafou sobre o preconceito. "Fora do padrão."
Como é o sentimento de viver a primeira protagonista e o que isso representa?
"É uma grande realização, um símbolo bastante significativo, não só de reconhecimento do meu trabalho, porque existem atores maravilhosos reconhecidos pelo público e crítica que nunca farão um protagonista, mas por também ser um corpo fora do padrão das mocinhas que costumamos ver, se torna uma vitória ainda maior. Não só para mim, mas para todo mundo que tem um corpo parecido com o meu que, por muito tempo, se viu representado só no lugar de chacota. É muito bom que essas pessoas se vejam num protagonismo digno."
Vivemos numa sociedade extremamente gordofóbica. Quais foram as maiores dificuldades que
enfrentou nesse sentido?
"Na profissão, a maior dificuldade é sair do estereótipo de que a gorda tem que ser engraçada. Isso é uma luta grande minha. Vocês acham que, na vida real, toda gorda é divertida? Não existe gorda mal humorada, gorda má? E também tento ter personagens cuja narrativa não fique restrita ao próprio corpo. A gente vê um monte de gente cujo peso é só um detalhe na vida. A pessoa tem família, emprego, outras questões. Muitas vezes, na dramaturgia, só escalam corpos gordos para falar de problemas de autoestima, preconceito. Uma das maneiras de combater esse preconceito é
colocar esses corpos marginalizados, não só gordos, mas também corpos negros, corpos trans, vivendo a vida normalmente, existindo nos ambientes e tendo uma vida como qualquer outra personagem. Na vida real, lido com uma gordofobia muito enraizada que as pessoas não percebem que cometem. Toda hora perguntando da saúde como se o meu corpo por si só já definisse como eu estou, alguém querendo me passar uma dieta como se todo mundo vivesse nesse objetivo de emagrecer. É tudo muito normalizado, as pessoas têm dificuldade de entender o que estão cometendo."
Como você tenta fazer com que esse preconceito não te afete?
"Como sou aquela gorda que as pessoas até se chocam quando me veem usando a palavra gorda, dizem que sou gordinha, tentam usar eufemismos para uma palavra que não precisaria disso porque não é um xingamento. É só uma característica física, mas infelizmente usam como xingamento. Nenhuma característica deveria ser usada como forma de ofender alguém. Na prática, eu sofro muito mais pressão estética, que todas as mulheres sofrem, do que gordofobia. Quando falamos de gordofobia, falamos de questões sociais, restrição de acesso, impossibilidades. Eu não chego a um avião e as pessoas olham feio quando sento ao lado delas, não passo pelo constrangimento de pedir um extensor de cinto, não tenho dificuldade de não caber em uma máquina quando vou fazer um exame. A gordofobia atinge as pessoas em um nível muito mais sério, que realmente adoece as pessoas porque elas se sentem inadequadas. É uma questão social. No meu caso, que lido com um ou outro comentário, é mais fácil. Faço terapia, sou muito segura sobre quem eu sou, sei que meu valor está muito além do meu invólucro. Eu sempre faço um discurso em prol da saúde, você pode ter o corpo
que quiser, desde que esteja saudável."
Como usa a influência e visibilidade para ajudar pessoas que passam pelas mesmas questões?
"Visibilidade e fama só fazem sentido se pudermos usá-las para falar de assuntos que gerem reflexão e
transformação. A minha escolha, como figura pública, sempre foi reforçar que sou como qualquer
pessoa, com questões normais a qualquer outro ser humano. Minhas questões vão além do meu corpo. Tento não alimentar a suposta vida perfeita das celebridades, vejo famosas que tentam sustentar a ideia de perfeição, que não podem ir à esquina sem maquiagem ou cílios postiços, não podem admitir que não estão bem, têm que fingir um sorriso. Isso faz mal também para o público que se compara a elas. Comparamos o nosso pior com o melhor do outro e saímos sempre perdendo."
Você fala muito sobre não se prender a rótulos como o do humor. Acredita que isso também se relaciona com esses estereótipos e preconceitos?
"Tudo que restringe as pessoas como se elas só pudessem ser uma coisa, como se fossem só um corpo, só engraçadas, só alegres, eu acredito que seja prejudicial. Somos complexos, atravessados por muitos sentimentos e pensamentos e precisamos acolher essas oscilações da complexidade. Sou uma grande entusiasta dos processos terapêuticos, os psicólogos fazem um bem enorme para a sociedade. Terapia deveria ser um direito e até um dever."
Você disse que está passando por um ano de grandes transformações, certo? Como sua vida mudou ao longo de 2023 e como está dando conta de acompanhar tantas nuances?
"Está sendo um ano de recomeços. A maioria para o bem. Quando mexemos muitas coisas da estrutura de uma vez só, dá uma balançada e leva um tempo até se acomodar. Me mudei da Barra para o Flamengo, é uma vida diferente. Você tem que começar em um outro apartamento do zero e deixar com a sua cara. Tem um investimento financeiro, de tempo, energético. Terminei um namoro de três anos e meio, reaprender a ser solteira em um mundo que a vida da mulher hétero acima dos 40 não está nada fácil [risos]. Mudei minha equipe de trabalho também. Todo recomeço é assustador. O importante disso tudo é entender que essa trepidação é normal, mas que estamos nos cuidando para tudo voltar aos trilhos em breve."
O que ainda sonha em conquistar no futuro?
"Tenho muita vontade de explorar mais minha veia dramática, tenho vontade de fazer uma vilã, tenho
muita vontade de dublar um desenho animado. Espero que minha peça siga rodando o Brasil. Só quero ficar bem velhinha trabalhando, já que minha profissão permite isso. Espero que eu tenha saúde para isso. De resto, acho que minha vida está num fluxo muito bom, conquistei muito mais do que imaginava. Meu maior medo é esquecer de onde eu vim e me envergonhar da pessoa que me tornei. Não quero esquecer dos meus valores."
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