Em entrevista exclusiva à Contigo! Digital, Maria Padilha mergulha em temas impactantes como racismo e violência doméstica na série Justiça 2
Fernanda Chaves Publicado em 03/05/2024, às 12h25
De volta à TV Globo, Maria Padilha debate o racismo e a violência doméstica na série Justiça 2, do Globoplay. Em entrevista à Contigo! Digital, a atriz confessa ter ficado mexida com a trama e abre o coração para falar sobre a criação do filho, Manoel, e avisa que pretende voltar às novelas.
Como foi interpretar a Silvana, uma personagem com tantas camadas?
Não foi fácil, porque, primeiro, a gente tem que se libertar de toda uma atitude que eu, Maria, tenho como mulher, e que a Silvana não tem. Eu tive que tentar compreendê-la e, a partir do momento que a gente compreende, é a delícia do porquê a gente escolhe essa profissão. A gente mergulha e eu a defendi com unhas e dentes, em todas as situações. Mas foi difícil, muito difícil!
Quando você diz que a Silvana é muito diferente de você, é por que ela é submissa ao marido, sofre violência doméstica?
Sim, é uma mulher que não trabalha, que é muito fútil. O marido sustenta, dá joias, ela é consumista, tem um imenso vazio porque o casamento dela é um fracasso, então ela preenche esse espaço com uma compulsão por compras e aparência. Ela tem uma pessoa boa dentro dela, o pai dela era um cara bom e ela tem essa vibe do pai. E aí ela se defronta com a injustiça que ela e o Nestor [Marco Ricca] cometeram com o Balthazar [Juan Paiva] e parte para tentar reparar. E nessa tentativa a Manuela Dias [roteirista] dá um show, porque é uma quantidade de coisas que acontecem, não só com ela, mas com todos os personagens, é uma trajetória muito poderosa que a Manu construiu para todos os personagens.
Silvana e Nestor reconhecem o Balthazar e ele é preso acusado de um crime que não cometeu. Existe um racismo ali...
Eu acho que ela é dessituada, acho que ela não tem a veia racista. Acho que no começo ela é como a maioria da população brasileira, que acha que não é racista, mas no fundo é. Ela vê uma foto de um de cara, um menino negro, que arrumou uma confusão na noite anterior no restaurante do pai dela. Eles tinham sido injustos nessa situação, ele estava reivindicando os direitos dele, porque ele foi demitido e não tinha dinheiro, além de estar com a avó doente, uma situação toda problemática. Ele fica chateado e fala um pouco mais alto. Aí, quando a polícia mostra aquela foto, na hora ela fala: “Foi ele”. Será que se fosse um loiro de olho azul ela falaria isso? Então, acho que essa também é uma questão.
Seu filho, Manoel, é negro. Infelizmente, vocês já devem ter passado por situações de racismo.
Bastante. Tive vários casos de racismo, durante a vida inteira, porque eu já tinha uma vivência, porque a minha avó foi uma militante antirracismo. Ela nasceu no começo do século XX, muito antes de falar desse assunto, na minha família a gente já tinha essa questão desenvolvida muito forte.
O que lembra?
Quando era criança falavam ‘Ah no Brasil não tem racismo, nos EUA sim, porque lá separa, não pode sentar no mesmo banco’, mas esse racismo indefinido no Brasil acaba sendo mais problemático do que o que era definido nos EUA. Acho que os negros de lá puderam se organizar melhor e antes, porque a coisa era muito na cara; aqui é disfarçado e na minha família já se conversava muito sobre isso. Mas aí, quando você tem um amor seu, seu filho, e você vê situações assim, dá uma fúria assassina. Mas eu sinto que a gente está caminhando a passos lentos, mas estamos caminhando.
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Você conversa sobre racismo com seu filho?
Aos poucos isso vai acontecendo. Lembro a primeira vez que ele perguntou por que era marrom. Tem hora que é intuição. Peguei todo mundo lá em casa, botei os braços de todos juntos e falei: “Ninguém é da mesma cor. Você é mais marrom, ele mais alaranjado, eu bronzeada”. Vi uma entrevista de Chico Buarque na qual ele falou que branco mesmo no Brasil só se for filho da Xuxa com o Taffarel, porque tem que ser filho de imigrante. Sou clara, mas minha família tem gente morena, tem mistura. Não existe branco no Brasil. É uma maluquice de brasileiro achar que é branco, todos nós somos pretos de alguma maneira.
Justiça marca seu retorno para a TV Globo após quase dez anos. É sua volta ao audiovisual?
Mais ou menos, porque meu último trabalho na emissora acabou em 2016, mas teve a pandemia, que não conta. Em 2022 fiz filme, série. Fui contratada da TV Globo durante seis anos, entre Anjo Mau e o Cravo e a Rosa, a partir disso não tinha mais contrato, porque gosto muito de fazer teatro, cinema e estava dando muita confusão com as escalações. Mulheres Apaixonadas, Lado a Lado, fiz muita coisa sem contrato. Então, não sinto que é um retorno, parece que eu nunca saí e, ao mesmo tempo, nunca fui totalmente de lá. É um lugar muito bom de trabalhar, com pessoas competentes. O público me cobra muito para voltar a fazer novela e eu penso, claro, vou voltar.
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