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Em 'Vale Tudo', honestos e trambiqueiros lutam para sobreviver num país em frangalhos

Assistir ao primeiro capítulo da novela de Gilberto Braga é perceber que 1988 é logo ali

Gustavo Assumpção Publicado em 22/07/2020, às 15h06 - Atualizado às 15h18

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Vale Tudo: honestos e trambiqueiros em um país em frangalhos - Reprodução/TV Globo
Vale Tudo: honestos e trambiqueiros em um país em frangalhos - Reprodução/TV Globo

Logo na primeira cena de Vale Tudo, Maria de Fátima presencia uma violência: a vilã, que será magistralmente interpretada por Glória Pires, observa em silêncio a discussão entre o pai e a mãe, Raquel Accioli (Regina Duarte).

O plano de fundo são as relações familiares, mas está sobre a mesa o Brasil confuso da redemocratização: a mãe reclama das contas atrasadas, dos gastos e farras do marido, do nome sujo. E é surrada ao expor as inconsistências daquele modo de vida que estava chegando ao fim.

Na virada para os anos 90, a promessa era de liberdade para aquelas mulheres que deixavam o lar em busca de suas subjetividades. Raquel se divorcia e volta ao interior do Brasil em busca de uma vida pacata onde criaria a filha que, ela mesmo observa, é diferente.

Após anos de sucessivos fracassos econômicos e crises políticas, a chance era de que o país finalmente decolasse - e com ele os marginalizados, as Marias de Fátima que sonhavam com um mundo de  bens de consumo e status. As novas personagens dessa história, uma nova geração criada em um país em que tudo era permitido, queria mais, muito além daquilo que as bases sociais poderiam garantir. Instável, o país se erguia podendo ruir a qualquer momento.

Na sequência seguinte, Ivan (Antonio Fagundes) volta para casa irritado. A mesa farta não esconde que a economia em frangalhos também afeta o cotidiano da classe média alta assalariada, aquela que não dispensa uma boa seda pura, mas que, ao mesmo tempo, pechincha para conseguir desconto com o taxista na volta para casa.

A COLISÃO

Ainda no primeiro capítulo, Maria de Fátima entra num esquema de contrabando em que tenta trazer ao Brasil contrabando do Paraguai. Ambiciosa, a jovem pede a ajuda do avô e oferece suborno.

Diante de sua negativa, explode expondo o desgosto com o país, as decepções com a postura das classes dominantes, a certeza de impunidade, a corrupção que corrói a capacidade de se construir um país mais igual.

"O último homem honesto do Brasil! Merecia uma reportagem no Fantástico. Agora, vai adiantar o que isso? Chegar na velhice com uma mão na frente e outra atrás e uma porcaria de uma casa no fim do mundo. Aqui é um país de trambiqueiro. Vai conseguir o que com sua honestidade? Aqui ninguém presta, ninguém vale nada. Ninguém cumpre nenhuma lei", diz.

Ao expôr sua vilania, a jovem mostra que duas ideias de Brasil colidiam para a construção de um "novo tempo": de um lado a classe trabalhadora que tentava sobreviver ao fracasso do milagre econômico. De outro, a ambição daqueles que se despiam de toda ética para baterem no peito e afirmarem aos quatro ventos que, neste país em que nada é sério, vale tudo.

"Não, mania de grandeza não!", grita Raquel, desesperada diante do ímpeto da filha.

De nada adiantou: nessa tragédia urbana que é a novela de Gilberto Braga, a gente gira em círculos e acaba no Brasil de 2020.