Tentativa de trama da Globo em homenagear personagem marcante da cultura pop desencadeou reação de movimento de proteção indígena
Publicado em 18/04/2025, às 07h30
Em 18 de abril de 2005, há 20 anos, a Globo estreava A Lua Me Disse como sua nova novela das sete. Escrita por Miguel Falabellae Maria Carmem Barbosa, a trama resgatava a leveza e humor da faixa com referências às cenas marcantes da teledramaturgia e cultura pop. O folhetim chegou a ter versão brasileira de Cinderela com atriz indígena, mas núcleo virou alvo de críticas de grupos de proteção dos povos originários.
Segundo o jornalista Nilson Xavier, do Teledramaturgia, a proposta de A Lua Me Disse era brincar com os clichês da teledramaturgia, ora os reverenciando, ora debochando deles. Miguel Falabella, inclusive, estrelou as chamadas de divulgação vendendo o “produto” como um verdadeiro camelô da dramaturgia pop.
Apesar do humor escrachado e das referências culturais divertidas, a novela não passou ilesa a polêmicas. Como relembra Xavier, no capítulo 90, exibido em 2 de agosto de 2005, os autores fizeram uma releitura inusitada do clássico Cinderela.
Na cena, a personagem Índia, interpretada por Bumba — atriz indígena de verdade — tem seu vestido de festa rasgado pelas megeras Adalgisa (Stella Miranda) e Adail (Bia Nunnes), repetindo a icônica sequência do filme da Disney. A personagem indígena representava a "gata borralheira" da vez, mas o Teledramaturgia destaca que a ambientação e o tom cômico do núcleo desagradaram profundamente grupos de proteção aos povos originários.
A crítica principal recaiu sobre o estereótipo aplicado à personagem Índia, que durante boa parte da novela era alvo de humilhações cômicas, com bordões e situações que exploravam sua origem como elemento de piada. Apesar da "recompensa" no último capítulo — quando Índia se torna rica e seus algozes acabam como suas empregadas — o arco narrativo foi visto como ofensivo e reducionista.
Além da controvérsia com a personagem indígena, Xavier relembra que A Lua Me Disse também foi alvo de críticas de movimentos do movimento negro. As personagens Latoya e Whitney, vividas por Zezeh Barbosa e Mary Sheyla, negavam constantemente sua identidade racial, o que foi interpretado por ativistas como incentivo ao racismo internalizado.
O Teledramaturgia avalia que, mesmo com a vilã Latoya sendo punida no desfecho da trama e Whitney tendo encontrado redenção, a construção das personagens reforçava estereótipos e levantava questões sensíveis sobre a forma como o humor pode perpetuar preconceitos.
Mesmo com os problemas, a recepção crítica foi positiva, mas a novela não foi um fenômeno de audiência. Ainda assim, A Lua Me Disse conseguiu reverter o desempenho da antecessora, a sombria Começar de Novo, devolvendo algum fôlego à faixa das sete.
Leia também: Johnnas Oliva avalia característica comum em seus personagens: 'Fora do óbvio'