Solo de sabores consagrados, a capital de Minas Gerais guarda boas surpresas para quem a visita
Redação EdiCase Publicado em 22/03/2023, às 10h00
Aos pés da mineira Serra do Curral, Belo Horizonte não é apenas uma imponente metrópole. É também uma vibrante capital que guarda cantos, cores e encantos únicos. É arborizada, e suas praças e ruas estão repletas de obras de Oscar Niemeyer e jardins de Burle Marx. Exibem, ainda, suntuosos casarões do século 19 ao mesmo tempo em que a vida, frenética, borbulha em suas esquinas e em seus cafés, bares, restaurantes, mercados, centros culturais…
Beagá ou Belô, como a capital mineira também é chamada, não é apenas o lugar onde vivem quase três milhões de pessoas. É o berço de clássicos da literatura brasileira como dos escritores Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado, Fernando Sabino, e de músicos como Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes. Das bandas Skank e Sepultura. Da Orquestra Filarmônica de Minas.
Fundada em 1897, a primeira capital planejada do Brasil tem avenidas largas. As principais delas são do Contorno (circunda a cidade), a Afonso Pena (liga o centro mangabeiras), a Cristiano Machado (dá acesso ao Aeroporto de Confins) e a Antônio Carlos (vai do centro a Pampulha). Nos anos 1960, quando o então prefeito Juscelino Kubitschek mandou construir esta última, ele foi duramente criticado pelos jornalistas, que diziam que a obra não ligava nada a lugar algum. Estavam enganados!
Sinuosa e com incessantes sobes e desces, Beagá possui um eficaz sistema de transporte público – embora o metrô não conduza a muitos pontos turísticos, a cidade tem linhas de ônibus e táxis para dar e vender, além do Bus Rapid Transit (BRT). Em seu vai-vém, o veículo, em poucos minutos, conduz os passageiros a bairros da capital e a outros de alguns municípios da região metropolitana.
Cidade onde os sabores são valorizados – a cozinha mineira é consagrada internacionalmente. Frango com quiabo, feijão-tropeiro, tutu de feijão, leitão à pururuca. Queijo e goiabada cascão, pão de queijo e geleias, como a de laranja com especiarias, da Expressar Gourmet. Essa geleia ganhou destaque no Marmalade Awards, competição realizada em Penrith, Cumbria, no norte da Inglaterra, que reuniu mais de três mil potes de pequenos produtores de mais de 30 países.
Terra de verso e de prosa. De “causos” contados no idioma mineiro, no qual prevalece a economia das letras e de sílabas. Saudades de você, por exemplo, vira “saudôcê”. Casa de vó, “cadivó”. Nossa senhora, “nuu”. Tem, ainda, o “curuis” (cruzes), o “pocaso” (indiferença) e o “mió do mundo”. Uai, sô! O “trem bão” é gostoso de ouvir.
Para acompanhar o “dediprosa”, nada melhor que as cervejas artesanais e as cachaças, estas últimas premiadíssimas no exterior. Eleita em 2019 como Cidade Criativa da Unesco pela gastronomia, Belô é também a cidade dos botecos. Os belo-horizontinos não vivem sem eles. Aos finais de tarde, mesmo às segundas-feiras, saem do trabalho e correm para um dos milhares de bares que habitam a capital mineira, sobretudo os situados nos bairros de Lourdes, Savassi, Funcionários e Santo Antônio. É a vida que segue e pulsa nesta capital, tão conhecida por sua boemia.
Visitar Belo Horizonte e não ter um tempo livre para conhecer o Complexo Paisagístico e Arquitetônico da Pampulha é como viajar a Roma e não ver o Papa. Patrimônio Histórico Nacional desde 1984, o complexo é integrado pela igreja de São Francisco de Assis, pela Casa do Baile, pelo Iate Tênis Clube e pelo museu de arte da Pampulha.
Erguido ao redor de uma lagoa artificial e distante 15 minutos do centro, o conjunto foi encomendado pelo então prefeito Juscelino Kubistchek a Oscar Niemeyer, quando o arquiteto ainda era um simples mortal desconhecido. A ideia era a modernização arquitetônica de Belo Horizonte, e Niemeyer contou com os projetos estruturais do engenheiro Joaquim Cardozo. A construção da Pampulha demorou de 1940 a 1943, época em que Brasília nem sonhava em existir – o Distrito Federal somente seria fundado em 1960.
Posteriormente, além das construções originais, outras atrações foram incorporadas ao conjunto, como o estádio do Mineirão, o Ginásio do Mineirinho e a Fundação Zoobotânica, composta pelo Jardim Botânico, pelo Zoológico e pelo Parque Ecológico da Pampulha.
Inaugurado em 1942, o museu foi o primeiro a ser construído. Foi projetado por Niemeyer para ser um cassino, mas, com a proibição dos jogos de azar no Brasil, foi fechado em 1962. Transformado em museu em 1957, tem um acervo de arte contemporânea com cerca de 1000 obras, entre pinturas, gravuras e esculturas, de artistas como Mabe, Di Cavalcanti e Guignard.
Também conhecido como Palácio de Cristal, o museu tem fachada inspirada em conceitos de Corbisier, renomado arquiteto suíço naturalizado francês, e jardins projetados pelo paisagista Burle Marx. Nele, estão distribuídas esculturas de Alfredo Ceschiatti, Zamoiski e José Pedroso.
De todas as obras, a igrejinha de São Francisco é a que mais chama a atenção. Com um visual nada parecido com o das igrejas convencionais (só foi reconhecida como templo pela Igreja Católica em 1959), exibe as linhas vanguardistas de Oscar Niemeyer e é abraçada pelo paisagismo de Burle Marx. Em seu interior, 14 painéis em têmpera sobre madeira assinados por Portinari descrevem a Via Sacra.
Atrás do altar, uma pintura retrata cenas da vida do Santo Protetor dos animais, escultura em bronze do batistério de Ceschiatti. Em arcos de uma das paredes externas, está uma composição de desenhos abstratos em pastilha criada por Paulo Werneck. Tombada pelo Patrimônio Histórico em 1947, a igreja ainda agora reúne fiéis para assistir às missas.
A poesia da pequenina igreja não está apenas nas curvas em concreto projetadas por Niemeyer. Nem só nos azulejos azuis e brancos pintados por Portinari em uma das laterais externas da nave, representando a vida de São Francisco. Do lado de fora, flores coloridas, árvores centenárias e jardins de diferentes tons de verde emolduram a lateral de vidro da capela, compondo, ao lado da lagoa, uma paisagem de beleza indescritível.
Também a Casa do Baile é fascinante. Pequenino, o antigo salão de dança era o lugar onde eram realizados shows e bailes. Hoje, é um espaço direcionado à arquitetura, ao urbanismo e ao design, com exposições frequentes sobre esses temas. Com jardim de Burle Marx, a casa exibe arquitetura com curvas sinuosas, incluindo a da marquesa, que acaba se integrando às margens da lagoa. Depois de ter sido transformada em depósito da Prefeitura e abrigo para moradores de rua, a casa foi revitalizada em 2002.
É clara e bem iluminada graças a uma parede de vidro. Infelizmente, em seu interior, uma parede merece mais atenção das autoridades quanto à preservação do passado recente do país. Nela, está um painel assinado pelo próprio Niemeyer com uma linha do tempo praticamente apagada. Se nada for feito, em breve, ela não poderá mais ser lida.
A linha começa com a data de 1940 e o desenho da igreja da Pampulha segue com a frase “Todos contra Bush” e termina com um monumento do MST, seguido da afirmação “A terra é de todos”. De ponta a ponta desse grande painel de 2003, o texto escrito por Niemeyer conta: “Pampulha foi o início de Brasília. Os mesmos problemas, a mesma correria, o mesmo entusiasmo. E seu êxito influiu, com certeza, na determinação com que Juscelino Kubitschek construiu a nova capital”.
Com jardins de Burle Marx, o Iate Tênis Clube, chamado inicialmente Golf Club, tem cinco salões com vista para a lagoa. Em um deles, o destaque é o “Espantalho”, tela de 3 por 3 metros de Portinari, de 1941, e “O Esporte”, painel de 7,5 por 2,5 metros de Burle Marx, de 1943. O clube é particular. Portanto, para conhecê-lo, é preciso pedir autorização.
Próximo ao complexo da Pampulha fica o Mineirão, aquele mesmo onde o Brasil perdeu de 7 a 1 da Alemanha na Copa do Mundo de 2014. Além das partidas de futebol, o estádio oferece visitas guiadas, nas quais é possível conhecer o campo, os vestiários e as salas de troféus, de imprensa e de aquecimento dos jogadores. Tem capacidade para 71 mil pessoas, foi inaugurado em 1965.
O Mineirão abriga o Museu Brasileiro do Futebol, com acervo focado na história dos times brasileiros, sobretudo nos mineiros. Inaugurado em 2013, promove exposições sobre o esporte. Em suas salas, é possível conhecer a história do futebol, desde o jogo de bola na China Antiga, passando pelo football na Inglaterra, até a sua chegada ao Brasil. Também a trajetória do estádio mineiro, dos clássicos e as placas em bronze com os pés e mãos de ídolos ali estão representados.
Saindo da Pampulha para o centro, chega-se à Cantina do Lucas, no histórico edifício Maletta, prédio onde foi instalada a primeira escada rolante da cidade. Patrimônio cultural de Beagá desde 1997, a casa foi fundada em 1962 e tem gastronomia impecável e uma carta de vinhos da melhor qualidade. Reduto de intelectuais, artistas e formadores de opiniões, é também um símbolo de resistência à ditadura no Brasil.
Conta-se que nos anos mais duros do regime militar, o pessoal que ali trabalhava criou um código para driblar os militares. Quando eles estavam na cantina e entrava um militante da esquerda, um estudante ou alguém contra o governo, os garçons já o informava que naquele dia o “Filé a Cubana” tinha acabado. Com isso, a pessoa já era avisada que não deveria falar nada sobre política, para não ser presa.
A cantina ainda hoje serve esse prato, mas, agora, sem a pesada conotação política do regime militar, quando recebia os que se sentiam atordoados pelas ditaduras na América Latina, quando partidos políticos ou sindicatos pouco valiam e era no bar que as pessoas se encontram para conversar, rir e até mesmo planejar a queda do governo.
Ao lado do “Filé a Cubana”, o tradicional e sempre renovado cardápio da casa exibe delícias como o “Filé Surprise”, com arroz à piamontese (molho branco, parmesão, champignon e arroz branco), filé à milanesa recheado com presunto e muçarela, banana à milanesa, batata frita e dois ovos fritos. Há, ainda, a “Costelinha à mineira” e muitas outras delícias preparadas artesanalmente e com produtos fresquinhos.
Ainda no centro fica o Mercado Central, com cerca de 430 lojas, muitas delas de pura gostosura. São frutas, legumes, carnes, queijos, cachaças, doces, utensílios domésticos, raízes e ervas, berrantes e até passarinhos e animais exóticos, além de lojas de roupas, acessórios, cafés, pastelarias, barbearias e capela.
Distribuídos pelos seus oito corredores temáticos, também estão bares. Afinal, o pessoal de lá não vive sem eles. O Bar da Lora é um exemplo. É famoso pelo bife de fígado com jiló, servido com uma cerveja geladíssima. Para quem não bebe, há a Tradicional Limonada (loja 355). O mercado faz visitas guiadas, que devem ser agendadas.
Outro ponto do centro que vem ganhando espaço na cena alternativa de Belo Horizonte é o Mercado Novo (de novo só tem o nome, pois foi fundado em 1963), um antigo e grande prédio com ar de abandonado. No primeiro andar, funcionam sebos, gráficas, lojas de instrumentos musicais e outros serviços, enquanto no segundo andar estão concentrados lojas e cafés, bares e restaurantes, com petiscos e pratos tentadores.
Na Ortiz Pão Molhado, por exemplo, é possível experimentar o guaraná Príncipe Negro, acompanhado por sanduíches como o de pernil, o de almôndegas e o vegetariano, todos preparados com molhos “bem molhados”, com tempero com gostinho de comida de vó. Essa mesma característica tem o Cozinha da Vó Anna, com massas e molhos bem caseiros, que unem divinamente os sabores da Itália e de Minas.
Já a Cervejaria Viela é o endereço ideal para os apreciadores de cervejas artesanais, enquanto a Lamparina Cachaçaria oferece o melhor da “branquinha”. Para selecionar as melhores marcas, os sócios Guilherme Costa e Thales Campomizzi viajaram mais de cinco mil quilômetros pelo interior de Minas, conhecendo as cachaças e os produtores.
A Lamparina tem o conceito de um empório antigo, com grande e centenário balcão. Nele, além da caipirinha do rabo de galo, são servidas a tradicional Cachaça Século 18 de Coronel Xavier Chaves e a premiada Cachaça Tiê, que saiu de Aiuruoca para o mundo, além de drinques com nomes criativos. Também vende garrafas da bebida com embalagem exclusiva para presente. Se o assunto é comprar mimos, Made in Beagá é uma opção. Na loja, são vendidas lembrancinhas, como painéis com frases em mineirês, agendas, cadernos, camisetas, bijuterias.
Para quem procura algo mais transado, o Centro de Artesanato Mineiro é uma opção. Reúne peças de diferentes regiões de Minas, como cerâmicas de Jequitinhonha, imagens sacras e objetos utilitários, como bules e xícaras. Fica no centro, ao lado do Parque Municipal e do Palácio das Artes, um espaço gigantesco onde são realizados shows musicais e de dança, exposições, peças teatrais e mostras de cinema.
*Por Fabíola Musarra – revista Qual Viagem
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