Em entrevista à Contigo!, Rodrigo Felha, roteirista de série Cidade de Deus - A Luta Não Para, reflete sobre retrato da favela no audiovisual
Bárbara Aguiar, sob a supervisão de Arthur Pazin Publicado em 06/12/2024, às 11h30
Aos 45 anos, Rodrigo Felha é um dos grandes nomes do audiovisual nacional, com trabalhos de destaque sobre a pluralidade da realidade periférica. O cineasta, premiado por trabalhos como o longa 5x Favela e o documentário Favela Gay, se lança em um novo desafio ao assinar o roteiro de Cidade de Deus - A Luta não Para, produção da Max que retoma a história do longa Cidade de Deus. Em entrevista à Contigo!, ele critica foco em violência no contexto periférico: "Mostrar o outro lado", reflete.
Morador da Cidade de Deus desde sempre, Rodrigo busca levar às suas produções um olhar íntimo sobre o território que, muitas vezes, é representado por um viés negativo e extremamente estigmatizado. “Minhas vivências são singulares, só quem sente na pele as dores do território pode colocar em textos esse sentimento”, aponta.
Essa conexão com a realidade retratada na tela é um diferencial que o texto de Cidade de Deus - A Luta Não Para traz para o audiovisual. Segundo Felha, apesar de o longa-metragem de Fernando Meirelles ser íntimo aos moradores da comunidade, a obra carrega um olhar focado na violência, algo que a série mudou.
"A série deu a abertura e tempo para falarmos de histórias dramáticas e emocionantes que vão muito além da violência, o que foi o eixo principal do filme. Foi lindo poder construir famílias, personagens que transmitem esperança de dias melhores. A luta, os confrontos sempre estarão em meio a esse caos, porém, foi lindo demais poder mostrar o lado que todos sabem que existem nas favelas, mas que não são visibilizados", declara.
A O2 Filmes, produtora da série, se preocupou em selecionar uma equipe criativa conectada com a história desenvolvida. “A grandiosidade do filme tinha essa responsabilidade de trazer roteiristas que se conectassem com a série e com o território em si, e foi assim que aconteceu", conta o roteirista.
"Meus amigos foram várias vezes respirar e sentir de perto o afeto e alegria das pessoas. Isso engrandeceu muito no momento dos debates para os caminhos em que devíamos apostar e seguir”, compartilha sobre os bastidores da criação.
Em sua trajetória para se marcar como um grande nome do audiovisual nacional, Rodrigo revela que enfrentou muitos desafios que vão além de sua capacidade profissional: o cineasta conta que, constantemente, precisou provar uma capacidade já comprovada previamente. "O primeiro desafio é ter que provar sempre o quanto sou bom e preparado, ainda nos testam sem necessidade, desacreditam da minha capacidade e de todos nós favelados que trabalhamos nesse setor", desabafa.
Mesmo com as questões e preconceito enfrentados, é no set de filmagem que ele encontra sua maior recompensa: “O maior aprendizado sempre é a relação humana que levo como legado com cada equipe em que trabalho. No set é importante olhar nos olhos e, sem precisar falar uma palavra, a pessoa entender que ela é capaz, que acredito nela 100%”.
Com uma forte consciência social, Felha acredita na capacidade transformadora da arte e, por isso, além de se dedicar ao cinema sobre a realidade periférica, ele também é um dos fundadores do Instituto Arteiros, iniciativa que há 14 anos transforma vidas na Cidade de Deus por meio da cultura.
O projeto é voltado para crianças e adolescentes e já formou talentos que, segundo o roteirista, já representam um orgulho e espalham sua criatividade para outras comunidades da região: “Nossas sementes já germinaram e estão pela cidade produzindo, criando e fortalecendo o movimento negro e favelado, reverberando nossa positividade”, diz.
“A arte vem salvando milhares de pessoas faveladas. A grande maioria desses movimentos é de dentro para dentro, nós por nós. A falta de apoio vindo de órgãos governamentais é absurdo”, desabafa e enfatiza: "Quando esses órgãos tiverem essa convicção, nossa potência será amplificada e ajudaremos diretamente na mudança da nossa cidade".
Para Felha, o audiovisual é o caminho para viabilizar a essência da favela para além do sensacionalismo e do esteriótipo comum em projetos sobre essa realidade. "O audiovisual sempre será uma ferramenta de nos visibilizarmos na sua essência, um território que aposta na melhoria, na irmandade e no afeto", conclui.
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