Em entrevista à CARAS Brasil, Zezé Motta relembra trajetória como militando do movimento negro e faz reflexão sobre inclusão na televisão
Grande nome do teatro e da televisão brasileira, Zezé Motta acumula uma trajetória artística repleta de conquistas marcantes e, aos 80 anos, é eternizada com troféu em seu nome. Na última quinta-feira, 5, ela foi a primeira homenageada com o Prêmio Zezé Motta, que reconhece as conquistas de artistas negras. Em entrevista à CARAS Brasil, Zezé conta que seu ano está sendo mais que especial, mas desabafa sobre a representatividade negra na televisão: "Muita luta pela frente", diz.
Confira a entrevista completa com a cantora, atriz e ícone das artes e da luta antirracista no Brasil:
Como é para a senhora receber este prêmio e homenagem?
2024 está sendo um ano mágico, completei 80 anos e desde então tenho recebido uma série de homenagens. É uma emoção do tamanho do mundo, não consigo colocar isso em palavras, parece que o coração vai explodir. Lembro do meu começo, das lutas que enfrentei lá atrás.
A senhora tem uma trajetória marcada pela luta em prol das mulheres negras. Como é para a senhora se tornar um símbolo de luta pela igualdade?
Sou uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU), no início dos anos 70, e desde então houve alguns avanços, embora a gente tenha muita luta pela frente. Sou do tempo [em] que em novela tinha apenas dois ou três atores negros, que faziam sempre papéis subalternos. O problema não era fazer empregados, mas é que esses personagens viviam a reboque. Essa era a questão, não tinham uma história própria, estavam a serviço de outros personagens. Então, se a gente faz uma comparação, vamos ver que houve avanços, mas ainda somos poucos em muitos departamentos. Há questões no Brasil que não funcionam por erros básicos. A começar pela legislação, que é falha.
Quando sai uma lei a favor dos negros, fica todo mundo dizendo que é paternalismo, esquecem onde estão os negros: nas prisões, nas favelas, morando em encostas. Na verdade, o erro vem desde a abolição, quando abriram as portas das senzalas sem ter um programa para que essas pessoas tivessem uma vida digna. Os negros, então, ficaram sem casa, comida e cultura. Uma coisa perversa. O Brasil tem uma dívida com as populações negra e indígena. As cotas podem minimizar esses erros históricos.
A senhora tem mais de 50 anos de carreira dedicados à arte. Na sua opinião, o que mudou neste cenário ao longo dos anos?
A maior conquista é ligar a televisão e ver diversos negros em cena. Sou de um tempo em que, em um produto, às vezes, só havia um ou dois atores negros em cena, sempre fazendo papéis subalternos. Tenho até essa maluquice de ficar contando quantos atores negros há em cena. Fico: ‘Oito atores negros!’. Vejo isso como resultado de uma luta! O negro está na moda em todos os produtos. Antigamente, a gente conseguia contar nos dedos da mão.
Zezé, este ano a senhora celebrou 80 anos, como é a sua relação com a maturidade? Como vem encarando essa fase da vida?
Minha mãe tinha umas tiradas muito engraçadas. Ela viveu até os 95 anos bem conservada. A maioria dos negros não tem rugas, e minha mãe envelheceu com uma aparência muito boa, os quilos controlados, uma pele lisinha e muito bom humor. As pessoas falavam para ela: ‘mas Dona Maria, a senhora não vai ficar velha?’. E ela falava ‘não, não tenho tempo’. E assim ela foi ficando sem tempo até os 95. Por isso, decidi envelhecer como ela, sem tempo de ficar velha.
Eu encaro essa fase da vida como uma das melhores, hoje sofro muito menos, não ligo para quase nada. Essa é a vantagem de amadurecer, a gente não esquenta mais a cabeça.
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