Globo menosprezou gravidade ao colocar o médico para conviver com seus algozes; situação não foi resolvida nem dentro e nem fora do programa
A direção do BBB23 cometeu um erro amador ao montar a repescagem com os brothers já eliminados da edição. Isso porque ela não observou os sinais de que a relação entre os participantes estava pouco amistosa.
Desde o episódio no Domingão com Huck, no qual Fred Nicácio recusou o pedido de desculpas de KeyAlves e Gustavo, era evidente que algo ali estava mal resolvido. De um lado, os autores da ofensa insistiam na “falta de informação” e no “equívoco”. Do outro, a vítima insistia que aquilo tinha um nome: racismo religioso, expressão que tem sido usada pelo movimento negro para nomear o preconceito e o vilipêndio contra as religiões de matriz africana. Em nenhum momento um programa da casa discutiu o problema com a profundidade necessária.
Ao vivo, quando todos ainda estavam na casa, Tadeu Schmidt chegou a tangenciar o assunto, mas de maneira tímida. Disse ele: “Nenhuma religião é melhor do que as outras. Nenhuma religião é pior do que as outras. Não tem religião do bem e religião do mal. Todas têm os mesmos direitos, todas têm a nossa admiração. É assim no Brasil, é assim no BBB”, disse.
Em nenhum momento citou o que disse Key, Gustavo e Cristian, em nenhum momento lembrou que o comportamento está previsto no código penal - em 11 de janeiro, o presidente Luis Inácio Lula da Silva promulgou a lei 14.532, que prevê até cinco anos de prisão para quem atentar contra as religiões afro-brasileiras.
Quando a emissora expulsou MC Guimê e Cara deSapato pelo inaceitável comportamento com Dania Mendez, a diferença no tratamento do caso também surpreendeu. Ao permitir para Key, Gustavo e Cristian participarem da repescagem, a emissora não apenas atenuou o teor dos comentários, como colocou Fred Nicácio em uma situação inaceitável.
Homem preto ciente de seu lugar no mundo e dono de uma inteligência rara entre os participantes do programa, o médico fez um discurso nesta tarde em que situou não apenas o trio que o ofendeu como também a própria direção do BBB23. "Coisas do jogo acontecem, a gente consegue identificar o que é jogo e o que não é. Todo mundo erra, todo mundo acerta, ninguém é perfeito. Tem coisas que devem ficar no jogo. Traição, mentira, enganação, faz parte do jogo. Isso são decepções que ficam no jogo. São articulações do jogo e cada um faz o que deve fazer", começou Nicácio.
"Tem coisas que não dá pra ficar no jogo. Racismo não tem como ficar no jogo. Infelizmente, racismo mata. Não é como decepção. Racismo mata pessoas todos os dias, me mata desde que nasci. Eu tenho um alvo nas minhas costas desde que nasci apenas por ser preto", declarou.
A declaração soou como um recado para Boninho, Rodrigo Dourado e Tadeu Schmidt: é preciso separar o joio do trigo, a opinião do crime e o racismo desavergonhado da falta de informação.