Produções da Globo perdem função social; historicamente, novelas sempre foram espaços de discussão saudável
As produções da Globo exibidas em 2023 ficarão marcadas por decisões controversas tomadas pela alta cúpula da emissora nos bastidores. Em ao menos quatro oportunidades, tramas e programas foram editados e personagens apagados após decisões da direção.
A mais nova vítima da onda conservadora que está higienizando as tramas da emissora é o casal Mara (Renata Gaspar) e Menah (Camilla Damião), que começaram a conquistar o público em Terra e Paixão. A aproximação romântica entre as duas foi encerrada antes de chegar ao clímax.
Quem contou a história foi a própria Renata Gaspar, que se mostrou claramente insatisfeita com a decisão. "Amores, Mara e Menah não terão mais trama na novela. Acho que quando tudo acabar falaremos mais do que passamos. Mas é isso, viramos as tias, que ficam de fundo na festa e ninguém pergunta sobre sua história pois não querem saber. 'É aquela tia que vive com a amiga dela'", disse no X (ex-Twitter) na segunda-eira (20).
Só neste ano, outros três episódios geraram muitas críticas nas redes sociais. O mais recente deles aconteceu quando o Domingão com Huck cortou o beijo entre Amaury Lorenzo e Diego Martins que seria exibido como parte de um quadro Batalha do Lypsinc. A decisão teria sido tomada após uma ordem da direção, que estaria preocupada com o afastamento dos telespectadores conservadores e evangélicos.
No início do ano, a mesma situação foi observada na novela Vai Na Fé. Várias cenas entre Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman) e Yuri (Jean Paulo Campos) e Vini (Guthierry Sotero), foram modificadas na edição. Na época, o desconforto foi tamanho que uma das atrizes chegou a publicar uma crítica velada. "Devagar e sempre… um passo de cada vez para a construção de um futuro onde todas as formas de amor possam ser aceitas e celebradas", disse Regiane Alves.
Produção do Globoplay, a série Aruanas também teve cenas censuradas ao ser exibida pela Globo. O romance entre Olga (Camila Pitanga) e Ivona (Elisa Volpatto), foi picotado e exibido sem a profundidade necessária.
Durante seus mais de sessenta anos, as novelas da Globo sempre foram espaços saudáveis de discussão de temas espinhosos para a sociedade. Eram as novelas que ditavam boa parte dos assuntos que ocupariam a esfera pública. Essa "função social" é um dos fatores que ajudaram a manter o produto telenovela sempre relevante, repercutindo na vida cotidiana.
Agora, é possível observar um movimento inverso: a partir do apagamento da diversidade, a cúpula da Globo parece disposta a transformar a higienizar a realidade, criando tramas irreais e deslocadas do momento atual, ajudando na construção de uma vida menos diversa, algo que é o sonho dos conservadores. A queda vertiginosa na audiência das novelas que é notada nos últimos anos talvez mostre que o público está cada vez mais desinteressado. Não será culpa daqueles que tem o poder de tomar decisões?