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Música / Sertanejo para todos

Reddy Allor e Gabeu apontam influências do feminejo no queernejo: 'Mais convidativo'

Em entrevista à Contigo!, Reddy Allor e Gabeu revelam como surgiu a parceria de sucesso do álbum Cavalo de Troia e refletem sobre origens do queernejo

Reddy Allor e Gabeu com visual futurista para a estética de Cavalo de Troia - Divulgação
Reddy Allor e Gabeu com visual futurista para a estética de Cavalo de Troia - Divulgação

O álbum Cavalo de Troia é um dos marcos do começo da parceria e amizade de Reddy Allor e Gabeu, grandes nomes do queernejo, estilo que mistura o sertanejo tradicional com pop e outras influências modernas e transforma o gênero em ritmo para trajetórias LGBTQIA+. Em entrevista à Contigo!, Reddy Allor e Gabeu contam como a parceria se iniciou e compartilham opinião sobre o queernejo no mundo musical.

A música, como contam Reddy e Gabeu, sempre esteve presente em suas vidas: Gabeu é filho de Solimões, da dupla Rio Negro & Solimões, e desde pequeno está imerso no mundo do sertanejo de viola. Reddy conta que também começou jovem, aos 12 anos, e na época fazia parte de uma dupla sertaneja com o irmão.

As influências do sertanejo raízes vêm desde o início da carreira, mas com o passar do tempo e do entendimento de cada um como pessoas da comunidade LGBTQIA+, Reddy e Gabeu decidiram unir o que já conheciam com novas referências e, assim, ajudaram a popularizar o queernejo. 

"Mais ou menos com 18 anos, comecei a questionar um pouco mais a minha vida, a trajetória, a minha história e entendi que eu era uma pessoa LGBT. Busquei mais referências para além do universo que estava muito fechado, igreja, show e sertanejo. Conheci pessoas novas que me mostraram o universo LGBT e que fiquei apaixonada. E aí, a partir disso, eu conheci a arte drag", conta Reddy Allor, que hoje se apresenta e grava canções como drag.

A artista conta que uma de suas inspirações para começar a performar foi Pabllo Vittar: "Fiquei muito instigada, muito... querendo saber mais coisas, sabe? Pesquisei a fundo sobre o que era uma drag queen, quem era a Pabllo Vittar e aí conheci a Glória [Groove], conheci a Lia [Clark]... Todo o cenário LGBT foi uma descoberta muito grande para a minha vida", revela. 

Para Gabeu, a trajetória de se autodescobrir um artista LGBTQIA+ passou pela ideia de que ele precisava ser um artista pop, o que o cantor logo descobriu não ser o seu desejo. Com bom humor, Gabeu conta que chegou a gravar uma música pop que nunca foi lançada e era "bem ruinzinha" quando comparada com suas produções de hoje. 

"Logo que gravei essa música, me questionei: 'Tá, gente, eu acho que não faz sentido eu fazer isso aqui.' Vi que fazia mais sentido eu resgatar algo que tinha a ver com a minha raiz, com o que cresci ouvindo, com o que tenho dentro de casa, sabe?", explica.

"LGBT só gosta de música pop"

Como um artista gay do sertanejo, Gabeu reflete que muitas vezes a comunidade é resumida ao estilo pop e isso é um grande erro: "Eu vivi esse conflito, de tipo, 'sou LGBT, gosto de pop, mas não quero fazer pop, gosto de pop, mas quero fazer outra coisa'. Acho que em algum momento se tornou uma ideia meio unânime, assim, de que LGBT só gosta de música pop", aponta.

"Na verdade, ainda mais no Brasil, que é um país de muita diversidade musical, pessoas LGBTs do Nordeste estão consumindo um tipo de música regional, LGBTs do Norte, outra. E a gente que é do interior, a gente cresceu com o sertanejo e fazia todo sentido fazer esse resgate cultural", explica iniciativa de seu primeiro sucesso, o álbum Agropoc.

Para Reddy e Gabeu, o feminejo também tem um papel muito importante no entendimento de que o sertanejo podia se transformar em um espaço de diversidade. "O feminejo é muito importante na trajetória do sertanejo para que o queernejo posteriormente pudesse aparecer também, porque eu sempre tive uma dificuldade muito grande de me identificar com as figuras masculinas", comentam.

"Com o surgimento de um mercado sertanejo que fosse mais convidativo e apresentasse mais mulheres para o Brasil, eu acho que o público LGBT começa a se identificar um pouco mais. Isso serviu de base para que o queernejo pudesse surgir", afirmam.

Gabeu aponta que o queernejo coloca a comunidade LGBTQIA+ no contexto do sertanejo: "Traz as narrativas LGBTs mesmo para dentro da sofrência, do chifre, da vida no campo. Até porque o que mais tem no interior é viado, sapatão, travesti, enfim, tipo, nós estamos nesses lugares, não é como se a gente não existe".

"Por isso que essa ideia de 'viado só escuta pop, viado que é viado, só gosta de música pop', eu nunca engoli isso. Não, simplesmente não", reforçam.

Parceria para a vida

Reddy conta que, quando lançou sua primeira música, recebeu uma mensagem de Gabeu elogiando seu trabalho e não acreditou: "Eu já sabia que o Gabriel era filho do Solimões, então para mim ele era uma pessoa super intocável, famosa. Então existia uma distância ali, sabe? Que eu mesma criei. O Gabriel me chamou, falou que achou meu trabalho muito interessante, e a partir dali começamos a conversar e entendemos que o nosso rolê era muito parecido".

A artista afirma, ainda, que a relação não se resume ao âmbito profissional e se transformou em uma amizade. "A gente começou a se falar bastante e cada vez mais, entendendo que a gente estava muito próximo de alguma forma. Temos muitas referências e a gente é muito tonta juntas, a gente é muito palhacinha também", brinca.

"Além da parte de identificação sonora, de identificação no contexto artístico, a gente também se identifica de alguma forma, pessoalmente", diz. Gabeu acrescenta que a proximidade se deu de forma natural e muito rápida:

"Isso foi em 2019, eu já estava começando a elaborar também a ideia de um álbum. Em 2020, que a coisa começou a tomar mais forma, e foi onde chamei a Reddy para participar de uma das músicas, que é a Queda D'água, nossa primeira parceria. Eu sempre soube que não seria a única música nossa", diz.

Com a amizade e proximidade, surgiu a ideia de Cavalo de Troia, álbum que conta também com as participações especiais de Gaby Amarantos, AliceMarcone e RomeroFerro. O álbum tem a proposta de construir uma narrativa de ocupação de espaços com uma estética de “hackear o sistema”, metáfora trazida já no nome da produção. "O álbum é muito simbólico, tem o que está acontecendo no literal ali, que somos nós saindo do interior, indo para a cidade, literalmente. Mas o que isso simboliza, na verdade, vai depender da bagagem de cada pessoa que vai ouvir", reflete Gabeu.

Para Reddy, por exemplo, a faixa Passarinho simboliza a independência, sua coragem para desbravar o mundo e tentar a carreira artística na cidade grande. Já Gabeu comenta que a faixa pode simbolizar, também, uma saída do armário. "No visual de Passarinho, a gente está dentro de uma gaiola e a gente sai da gaiola. Dependendo de quem escuta, pode simbolizar uma saída do armário, sabe? Ou literalmente, a saída do ninho, desbravar o mundo", dizem.

Com tantas músicas significativas, é difícil para cada artista escolher sua preferida, mas Reddy destaca Clichê dos Amores e Gabeu Meu Santo, Voz e Viola e a regravação da canção de seu pai, Frio da Madrugada.

"Concretizei na minha cabeça que Voz e Viola é a maior obra de arte que eu já fiz na minha vida, porque é uma música que resgata totalmente a coisa mais raiz possível, que é uma moda de viola. Mas eu diria também que Meu Santo pela letra e Frio da Madrugada pela sonoridade", compartilha o artista.

Recepção positiva

O público, como contam os artistas, recebe as composições com muito entusiasmo: "A galera está comentando horrores. Nossa, está sendo muito legal. Sinto que esse álbum está realmente chegando em pessoas novas, sabe? Para além dos nossos fãs que já consomem o nosso trabalho, que já entendem a proposta de tudo", dizem.

Para Reddy e Gabeu, um dos pontos mais positivos é receber comentários como "Eu não esperava gostar de sertanejo", "Não imaginava que eu fosse gostar de sertanejo", ou "Isso é um sertanejo? E eu amei?!". 

A dupla diz que a parceria de sucesso com certeza pode se repetir em outros trabalhos, mas que desejam continuar na carreira solo. "Eu me vejo muito em vários outros momentos da vida, fazendo parcerias com o Gabriel de várias formas. Acho que são coisas que surgem aleatoriamente e a gente gosta de deixar esse processo muito fluido mesmo. Acho que tudo o que a gente fez foi dessa forma", reflete Reddy.

Gabeu revela que um dos pensamentos ao lançar o projeto foi "será que vão pensar que somos uma dupla?", e por isso a equipe tomou muito cuidado na divulgação do álbum. "Fomos bem diretos, até na forma de divulgar, nas criações de conteúdo, de que esse é um projeto pontual. E acho que o público está na mesma página que a gente. Mas é isso, tipo, tudo é possível", completa.