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Novelas / Polêmica

Novela da Globo foi censurada após governo grampear telefonema de autor há 49 anos

Trama da Globo era adaptação de peça proibida pela Ditadura e quase passou pelo crivo dos censores, mas foi vetada de surpresa após conversa interceptada

Betty gravou 30 capítulos como a viúva Porcina em 1975 - Reprodução/Globo
Betty gravou 30 capítulos como a viúva Porcina em 1975 - Reprodução/Globo

Em 1975, a novela A Saga de Roque Santeiro e a Incrível História da Viúva que Foi Sem Nunca Ter Sido, ou, como ficou conhecida, Roque Santeiro, era cotada como nova novela das oito da Globo e estava programada para estrear no dia 25 de agosto daquele ano. A trama teve alguns capítulos gravados e, depois de ser reprogramada para estrear no dia 27 do mesmo mês, foi barrada pelo Governo Militar abruptamente e passou anos no congelador até finalmente ser retomada.

A obra, escrita por Dias Gomes e dirigida por Daniel Filho, buscava inovar a faixa das oito, que até então era dominada pelos textos dramáticos da renomada Janete Clair. Inicialmente, os censores aprovaram a novela para o horário, mas depois de assistir aos primeiros capítulos gravados, estipularam que a obra tinha que ser transmitida na faixa das 22 horas — e com cortes que trariam prejuízos à narrativa.

De acordo com o jornalista Nilson Xavier, do site Teledramaturgia, a equipe tinha esperança de que a relação próxima do empresário Roberto Marinho, dona da emissora, com o então ministro da Justiça, ArmandoFalcão, tornaria a liberação da obra possível. Entretanto, o político se quer atendia às tentativas de contato de Marinho.

A notícia de que a novela não seria transmitida devido à censura foi dada no Jornal Nacional, na noite em que seria sua estreia. Os militares justificaram a decisão com: "A novela contém ofensa à moral, à ordem pública e aos bons costumes, bem como achincalhe à Igreja".

No livro Janete Clair, a Usineira de Sonhos, do jornalista ArturXexéo, a história que explica a proibição é diferente: segundo o livro, o telefone de Nelson Werneck Sodré, amigo de Dias Gomes, foi grampeado e um deslize do autor em uma conversa revelou que a história por trás de Roque Santeiro era uma crítica ao governo militar.

Na ligação com Nelson Werneck Sodré, o autor revelou que a obra era uma adaptação de uma peça de sua autoria proibida de ser encenada pelos militares. O texto escrito em 1963 era chamado O Berço do Herói e contava a história de um cabo da Força Expedicionária Brasileira que deserta e, por engano, é considerado herói de guerra.

Na época, o Governo enxergou uma tentativa de ridicularizar a carreira militar e, por isso, vetou a encenação. No telefonema, Dias Gomes afirmou fazer uma "pequena sacanagem" e explicou que, ao tirar o personagem militar, os censores não perceberam problema na trama: "Esses militares são muito burros!".

Depois disso, a emissora precisou recorrer à Janete Clair para escrever uma novela que substituiria Roque Santeiro e o texto de Dias Gomes só foi adaptado para a televisão dez anos depois, em 1985. Alguns atores escalados para a primeira produção foram mantidos com os papéis originais, como LimaDuarte (SinhozinhoMalta), JoãoCarlos Barroso (Jiló), Luiz Armando Queiroz (Tito) e Ilva Niño (Mina), outros, como Milton Gonçalves e Elizângela, se transformaram em novos personagens.

Na primeira versão, que nunca foi ao ar, Betty Faria daria vida à Viúva Porcina. A atriz foi chamada para viver a personagem na nova versão, mas recusou e o papel ficou para Regina Duarte. A novela de Dias Gomes foi um sucesso e marcou a história da teledramaturgia brasileira com a trama e personagens memoráveis.